Introdução : a outra metade do ser
Tantos caminhos espirituais têm como meta subir até a luz.
Mas poucos ensinam a honrar a sombra.
Só que o verdadeiro despertar não acontece sem essa reconciliação.
O Yin não existe sem o Yang, a clareza só aparece em contraste com a noite.
Todo ser carrega uma parte de luz e uma parte de escuridão.
Negar uma delas é se impedir de ser inteiro.
A sombra em nós : um fogo sem controle
As religiões, as morais sociais, as regras da educação ensinaram a gente a rejeitar tudo que incomoda: os impulsos, a raiva, o ciúme, a sexualidade sem controle, a rebeldia, o desejo de independência.
Essa parte foi chamada de pecado, de proibida, de perigosa.
Então, ela foi empurrada pra baixo do tapete.
E quanto mais escondida, mais ela cresce, fica surda e destrutiva.
Um homem pode pregar a virtude de dia, e se entregar pros seus demônios de noite.
Um yogi pode falar de amor incondicional e depois fugir em comportamentos que a sociedade chama de indignos.
Não são contradições, são só manifestações de uma parte negada por tempo demais.
Carl Jung dizia: « Quem olha pra fora sonha. Quem olha pra dentro desperta. »
E ele completava: « A sombra é a parte de nós que preferimos não ver. »
Nenhuma luz cresce sem que a sombra cresça junto.
Um nunca vai sem o outro.
Yin e Yang.
Entre essas emoções que ficam (nunca totalmente) dormindo na nossa sombra, estão algumas dessas pulsões escuras do ser humano, partes muitas vezes reprimidas, julgadas, mas profundamente humanas:
- Sexualidade compulsiva ou exagerada (desejo obsessivo, fantasias inconfessáveis, necessidade de dominar ou se submeter)
- Ciúme e inveja doentia (não aguentar ver a felicidade ou o sucesso dos outros)
- Necessidade de manipular ou controlar (usar emoções, palavras ou silêncios pra conseguir o que quer)
- Tendência à vitimização (se colocar de mártir pra chamar atenção ou fugir das responsabilidades)
- Pulsão de destruição (vontade de jogar tudo pro alto, sabotar o que funciona, por raiva ou medo)
- Vícios de todo tipo (álcool, droga, sexo, comida, jogos, telas) como fuga de uma realidade interna mal vivida
- Raiva interna guardada (que pode virar agressividade verbal ou física)
- Prazer escondido em humilhar, rebaixar ou esmagar os outros (muitas vezes disfarçado de ironia, sarcasmo ou humor negro)
- Compulsão de sedução (necessidade constante de ser desejado, admirado, validado, mesmo que traindo a si mesmo)
- Necessidade incontrolável de estar certo (mesmo às custas da verdade ou da paz)
- Prazer secreto em ver os outros falharem...
- Tentação do poder (vontade de dominar, impor sua visão, se sentir superior)
São mecanismos naturais mas inconscientes, que não precisam ser julgados, mas acolhidos, reconhecidos e transformados.

São nossas velhas malas, nossos demônios escondidos no porão do subconsciente.
Dormem de dia, mas na primeira frustração ou fraqueza, pronto, eles aparecem pra lembrar que ainda estão lá.
E muitas vezes, eles pegam o volante.
É essencial reconhecer eles, esses monstros de pijama.
Não julgar tão rápido, mas tratar como colegas de quarto temporários.
Sentar com eles, entender de onde vêm, que trauma ou dor fez eles nascerem.
E principalmente, mostrar a saída.
Com carinho, paciência… e às vezes um chute energético no traseiro.
No meu caso, levei vinte anos pra encarar de frente um desses mecanismos:
um desejo inconsciente de dominação sobre as mulheres.
Sim, é feio.
Mas é verdade.
Depois de ter sido abusado emocionalmente, e por muito tempo, pela minha mãe, meu inconsciente decidiu que o equilíbrio das forças precisava ser restaurado.
Só que fez isso do jeito errado.
Eu precisava controlar, seduzir pra depois dominar, humilhar às vezes de forma sutil pra inflar um ego ferido lá no fundo.
Precisei de duas décadas e alguns corações partidos (desculpa, meninas) pra enxergar o meu próprio jogo.
Álcool? Ah sim, ele.
Sempre lá, parceiro de estrada, principalmente quando eu queria “me esquecer um pouco”.
Esconder as falhas, as feridas de rejeição, essa sensação difusa de ser “não suficiente” ou “demais”.
Hoje em dia eu ainda bebo, mas com mais consciência.
Menos vontade de me sabotar.
Menos necessidade de me anestesiar pra não sentir.
E teve também aquela fase, perto dos meus 40 anos, em que senti uma urgência enorme de ser visto.
Mas visto de verdade.
Eu era finalmente “alguém”, com sucesso, dinheiro, conquistas no currículo.
Então fiz o que todo ego ferido em busca de reconhecimento faz:
vi virei árvore de Natal.
Um relógio enorme, tipo despertador no pulso, anéis de rapper em fim de carreira, e um Audi preto com vidro escuro, só pra deixar claro que eu era alguém sério.
Ou perigoso.
Ou os dois.
Eu queria que me admirassem.
Que dissessem: « Ele conseguiu ».
« Ele é um macho alfa, de verdade ».
Meses depois, o relógio acabou numa gaveta (e depois no lixo, sem dó), os anéis só irritavam, e o carro… vendido.
Eu tinha entendido.
O personagem tinha feito a cena dele, podia sair do palco.
Hoje?
Nada mais.
Nem relógio, nem carro, nem terno.
Um mochilão, três camisetas, um par de chinelos, e eu.
Na Ásia há três anos, no modo nômade leve.
E sabe de uma coisa? Nunca me senti tão livre e leve.
Nem tão Eu.
Deixar respirar sua zona de sombra… com discernimento
Deixar viver sua zona de sombra pode parecer paradoxo.
Não dá, obviamente, pra soltar totalmente nossos monstros internos, nem deixar nossas pulsões mais tortas mandarem na nossa vida.
Senão, a gente não fica mais livre… só vira qualquer coisa.
“ De tanto fazer qualquer coisa, a gente vira qualquer um! ”.
Mas reconhecer essa parte sombria, ouvir ela, e às vezes dar uma pequena saída controlada… é saudável, é de boa.
Tomar um porre entre amigos de vez em quando, por que não.
Soltar um « mer..a » ou um « foda-se » bem colocado pra alguém que merece… faz bem.
É como aliviar a válvula de segurança: evita que a panela de pressão exploda.
A chave é o equilíbrio.
Não reprimir ao ponto de implodir, mas também não alimentar o monstro até ele pegar o volante.
Essas máscaras lisas demais
As sociedades modernas curtem pessoas lisas, disciplinadas, previsíveis.
Mas essa fachada cria vidas sem vibração, sem tempero.
Muita perfeição gera esterilidade emocional.
O terapeuta que come salgadinho escondido na frente da TV.
O banqueiro que fuma feito chaminé depois do expediente.
O yogi que leva vida dupla, comendo carne, bebendo vinho, saindo com várias mulheres à noite, ou o policial que abusa do poder só por causa do uniforme.
Nada disso é condenável.
O perigo tá no recalque, na mentira pra si mesmo.
Não é o vício que machuca, mas a hipocrisia consigo mesmo.
Quem vive consciente aceita suas contradições.
Aprende a canalizar elas, não a sufocar.
Essa sombra em nós precisa viver, ela pede, ela quer, e ela deve.
Impossível ser livre e completo sem isso.

Elas se escondiam mais naquilo que eu não aceitava em mim.
Aquelas facetas que eu queria corrigir, transformar, polir… porque eu julgava que eram “de menos” ou “de mais”.
A sombra não é só nossos demônios.
É também nossa luz reprimida.
Por exemplo: eu sempre adorei fazer palhaçada.
Fazer rir com caretas, piadas absurdas, imitações.
Mas crescendo, eu achei que se quisesse ser bonita, desejável, “cool”, tinha que trancar essa parte no armário.
Me julgava por não ser misteriosa o suficiente, ou relaxada o bastante.
Quando reintegrei essa dimensão de mim, relaxei.
Fiquei mais leve.
Me permiti ser multidimensional.
Antes eu gastava uma energia enorme escondendo essa parte viva de mim, e recuperei liberdade.
Parei de brigar contra quem eu sou.
E descobri que aceitar a sombra às vezes é deixar brilhar aquilo que a gente tinha vergonha de gostar em si.
Ousar abraçar sua humanidade
Viver de verdade é acolher todas as suas facetas: a doçura e a raiva, a compaixão e o orgulho, o amor e o desejo.
É saber que a gente é atravessado por impulsos às vezes confusos, mas que não têm nada de errado se forem conscientes, nomeados e assumidos.
Yin e Yang.
A verdadeira maturidade é ter a capacidade de se olhar no espelho da alma sem desviar os olhos.
É aceitar ver suas falhas, suas sombras, suas contradições… e não fugir.
Porque aquilo que eu não gosto no outro, que me irrita, me fere ou me incomoda profundamente… muitas vezes é reflexo de um pedaço de mim que ainda não reconheci, pacifiquei ou curei.
O outro não é o problema.
O outro é um projetor.
Um espelho.
Ele ilumina o que eu escondo.
O que eu nego.
O que eu julgo.
Então, em vez de rejeitar, eu posso me perguntar: « e se o que eu vejo nele… falasse de mim? »
E se a raiva dele ressoasse com a minha?
Se a arrogância dele vibrasse com a que eu não admito?
Se a vitimização dele acordasse minha própria tendência a me apagar ou me lamentar?
Querer mudar o mundo sem mudar o que carrego dentro é como querer limpar um espelho sujo… esfregando só por fora.
Não funciona.
Se eu quero mesmo participar da minha cura e da cura do mundo, preciso primeiro visitar meus próprios abismos.
Entrar neles com honestidade.
Observar meus julgamentos, minhas feridas, meus automatismos.
É aí que mora a verdadeira responsabilidade.
E a verdadeira liberdade.

Ela me permite soltar tudo que eu às vezes guardo em silêncio: pensamentos, desejos, julgamentos, emoções que eu até me culpo de ter… mas que são profundamente humanas.
Escrever me deu a liberdade de soltar a culpa, a vergonha, todas essas emoções chamadas de “negativas”.
Entendi que elas não definem minha verdade inteira, só uma faceta de mim.
E que negar isso é me negar.
Porque se eu acredito que não posso me amar por completo, então eu recuso a própria ideia de ser humano.
Ninguém é perfeito.
Quem finge ser, geralmente tá em guerra interna com o que faz dele humano: suas imperfeições.
Eu escolhi a paz.
A paz com minhas contradições, meus exageros, minhas falhas.
E se tudo isso viesse a ser revelado, eu estaria em paz também, porque sei que não sou mais que reflexo dos outros, assim como eles são reflexo de mim. No fundo, todos carregamos a mesma humanidade.
Sexualidade : sagrado deturpado
Sexo não é fraqueza.
É força.
É a energia da criação.
Toda vida começa numa explosão de união carnal e espiritual.
Mas essa força virou mercadoria.
Pornografia em todo lugar, dessensualização dos corpos, performance no lugar da comunhão.
A energia sexual se separou da alma.
E isso feriu – e cada vez mais com os sites pornôs e as redes sociais – gerações inteiras.
Nas tradições tântricas antigas (Índia, Tibete), o sexo era um ritual sagrado.
Uma arte.
Uma oração.
Os corpos viravam templos.
O ato, uma oferenda.
Os olhares, portais para o invisível.
Reabilitar isso é devolver ao amor físico sua nobreza.
Resgatar a sensualidade divina, o humor no erotismo, o jogo sagrado entre almas encarnadas.
O sexo pode ser um caminho pra Deus, se for vivido com consciência.
Sexualidade urbana ou sexualidade sagrada
Por que o mundo inteiro gira tanto em torno do sexo?
Mais ainda que o dinheiro, é ele o rei escondido das nossas obsessões.
Talvez porque seja a única atividade humana que convoca nossos cinco sentidos de uma vez só.
Sim, todos os cinco.
O som das respirações, das palavras doces ou sujas.
A visão das curvas, dos olhares, da nudez oferecida.
O toque da pele, do calor, do úmido.
Os perfumes, os cheiros animais, doces, salgados, inebriantes.
E às vezes até… o gosto do outro.
Procure outra atividade que junte tantas sensações de uma vez:
O cinema? Dois sentidos.
Uma boa refeição? Três, às vezes quatro se você come com as mãos.
Dirigir um carro? Talvez três, se segurar o volante com os dentes.
Mas o sexo estoura todos os limites.
É uma experiência multissensorial, total, primitiva e divina.
Não é à toa que virou um motor tão forte nas nossas vidas, pro melhor… e às vezes pro vazio.
Porque desde os anos 2000, com a chegada da internet, a sexualidade se digitalizou, desumanizou, dessensualizou.
O pornô invadiu as telas, formatou mentes, anestesiou o imaginário.
Hoje dá pra “ter sexo” em dois cliques, sozinho na frente da tela.
Zero emoção.
Zero presença.
Zero oferenda.
Só uma descarga rápida.
Uma satisfação egoísta.
Uma espécie de fast-food do prazer: consome, joga fora, passa pra próxima.
As gerações anteriores ainda conheciam o arrepio da sedução, o jogo dos olhares, o mistério do outro, a arte do devagar.
Os mais jovens, muitos foram “educados” sexualmente pelos vídeos hardcore e pelos algoritmos, confundindo potência com brutalidade, prazer com performance.
O jogo foi deturpado.
E o sagrado levou nocaute.
Só que a sexualidade, na origem, é um portal místico.
Um vetor de energia criadora.
Um ato de união, de cura, de alquimia entre duas almas encarnadas.
Um momento em que dá pra tocar o céu… desde que se coloque um pouco mais que suor.
Tá na hora de colocar coração nos corpos,
De botar brincadeira no sagrado,
Sagrado na brincadeira,
E devolver ao sexo o verdadeiro poder: o de nos elevar, não só o de nos esvaziar.
A gente não é máquina.
A gente é templo.
E fazer amor deveria ser uma oração.

Por muito tempo, achei que “transar bem” significava reproduzir o que eu tinha visto na tela, oferecer o que eu pensava que o outro esperava de mim.
Eu não estava vivendo o momento com meus sentidos, mas atuando num papel aprendido por imitação, em busca de validação.
Essa visão me levou, como muita gente da minha geração, a usar o sexo de forma casual, como moeda de troca sem compromisso nem profundidade.
Mas por trás dessa liberdade aparente, muitas vezes me deparei com feridas silenciosas: feridas de amor-próprio, de amor a mim mesma.
Me perguntei mil vezes: meu valor se resume ao que eu posso oferecer sexualmente?
Será que eu não mereço mais do que ser desejada por um corpo, um momento, um papel?
Essas perguntas me derrubaram, balançaram até minha relação comigo mesma. Mas também me guiaram pra um despertar.
Porque foi atravessando esse deserto de sentido que descobri outro caminho: o da sexualidade como espaço sagrado.
Hoje eu sei que meu corpo não é objeto de consumo, mas templo.
Eu sei que minha sexualidade não é moeda de troca, mas oferenda, força criadora, oração.
E que qualquer um que eu convido pra minha intimidade não entra só na minha carne, mas num santuário.
Então sim, eu faço parte dessa geração que primeiro aprendeu a “fingir sexo” antes de sentir, mas também pertenço à geração que escolhe se reapropriar do seu poder, de reconciliar o urbano e o sagrado, a pulsão e o coração.
Porque sexo, no fundo, não é uma performance a ser vencida, mas uma verdade a ser encarnada.
A zona de conforto : essa armadilha gostosa que te adormece
Nada cresce em terra calma demais.
A rotina acalma, mas adormece.
O conforto relaxa, mas a longo prazo, amolece.
Uma boa zona de conforto é um objetivo vendido por todo lado: um sofá fofinho, uma assinatura da Netflix, uma geladeira cheia, um emprego fixo… e pronto.
A “boa vida”, dizem.
Mas se faz uma pergunta de verdade: você cresce aí dentro?
Você se supera?
Você vibra?
Ou você vai se fossilizando aos poucos numa vida sem surpresas, sem sacudidas, sem fogo?
Porque é bem isso, a armadilha.
O conforto é como um banho morno: bom no começo, mas se você fica tempo demais, você se dissolve.
De tanto querer controlar, antecipar, alisar, planejar… você perde a magia.
Você esquece que a vida é movimento, imprevisto, arrepio.
E mais: essa obsessão pelo conforto nos transforma em velhinhos antes da hora.
Intolerantes a tudo: barulho, bagunça, novidade, opiniões diferentes…
A mudança vira ameaça, quando devia ser dança.
Um imprevisto?
É pânico.
Um vizinho barulhento?
É guerra.
Um grãozinho de areia na rotina?
É drama.
Mas é isso mesmo que é viver?
Ter medo de tudo que balança?
Passar os dias mantendo o equilíbrio de um cotidiano já congelado?
O verdadeiro vivo arrisca.
Ele fala quando o medo manda calar.
Ele ama mesmo tremendo.
Ele troca de trabalho, de cidade, de pele, às vezes até de vida, porque sente que ficar é morrer aos poucos.
Ele não espera tudo ficar perfeito pra ousar.
Ele mergulha, às vezes de cabeça, e azar se respingar.
É nesses passos incertos, nessas escolhas loucas, nesses « não sei pra onde vai, mas eu vou », que a alma floresce.
É aí que você vive.
É aí que você sente existir.
Então sim, descansa quando precisar.
Recarrega, curte, aproveita.
Mas não faz disso uma prisão.
Porque a zona de conforto não é destino.
É só uma parada no caminho.
E se você quer mesmo se sentir livre, vai ter que aprender a amar o desconforto e as surpresas.
É aí que a vida recomeça.
Ei, amigo… e se a gente falasse da sua morte próxima?
Sim, sim, sua morte.
Não a de um filósofo grego velho ou de um herói de série da Netflix.
A sua.
Assusta?
Normal.
É um assunto tabu.
Uma zona escura nas conversas modernas.
A gente fala de comida orgânica, de desenvolvimento pessoal, de sexo tântrico, de retiro espiritual em Bali, mas da morte?
Silêncio total.
É muito… definitivo, muito nebuloso, muito misterioso.
E mesmo assim, é o único encontro que a gente tem certeza que não vai perder.
Não tem como escapar!
Mas e se a gente ousasse olhar de frente essa bendita morte?
Sem drama, sem filme de terror.
Só como um lembrete.
Um lembrete de que tudo passa.
Que tudo é frágil, impermanente.
E que é justamente essa fragilidade que torna tudo precioso.
Pensar na própria morte não é deprimir.
É acordar.
É sentir que cada manhã é bônus.
É amar mais forte, dizer « eu te amo » mais rápido, parar de enrolar com bobagens.
Montaigne dizia que « filosofar é aprender a morrer ».
Os estoicos aconselhavam a lembrar toda manhã que aquele dia podia ser o último.
Não pra cair na tristeza, mas pra viver como fogos de artifício.
Intensamente.
Com autenticidade.
Porque a morte talvez não seja um fim, mas uma passagem.
Não um castigo, mas um retorno.
Uma troca de pele.
Uma libertação.
E se ela fosse… a chave?
A que abre todas as outras portas?
A que permite ao ego se calar finalmente, pra alma falar?
Quando você pensa na morte, os desejos superficiais somem,
as máscaras caem, as prioridades ficam claras.
Você sabe o que importa.
Então sim, a gente vai morrer.
Você, eu, todos os outros.
Mas é justamente isso que deixa a vida tão vibrante.
Não é o medo de morrer que deve nos travar,
mas o esquecimento de que estamos vivos… aqui, agora.
Vamos nos alegrar, amigos,
e ser gratos por poder experimentar a matéria,
antes de voltar pra Luz!
(e lá em cima tem fila pra encarnar aqui!)

Ele me disse que, sempre que pensava nisso, não sentia medo.
Se sentia pronto pra ir embora de um dia pro outro se algo acontecesse.
Claro, ele não tem desejo nenhum de morrer e nunca se colocaria em risco, mas a ideia da morte não o assusta.
Ouvindo ele, uma vozinha na minha cabeça soprou: « Mas eu nunca penso na morte ».
Aí tentei lembrar de algum momento da minha vida em que realmente refleti sobre isso… e não achei nenhum.
O mais perto que cheguei foi minha crença no “divine timing”.
Eu acredito que tudo acontece por uma razão, seja pra você ou pros outros.
Quando você termina o que veio aprender, buscar ou descobrir, aí você parte… e começa de novo em outro lugar.
Aliás, acho até bonito, quando ouço falar de pessoas, jovens ou não, que tiveram uma morte trágica, e cujos familiares dizem que elas eram cheias de vida, sempre sorrindo, com bons valores, amando a vida de verdade e inspirando quem estava em volta.
Que conseguiam tudo o que faziam…
Sim, e eu penso que era exatamente assim que elas tinham que viver, e que essa era a marca que tinham que deixar no mundo, e em todas as pessoas que cruzaram o caminho delas.
Desconstruir nossos medos : ilusão e libertação
O medo não tem existência tangível.
Não tem cheiro, nem peso, nem forma.
É uma criação mental, um filme de ficção científica que nossa mente projeta no nosso cinema interno.
Uma antecipação do pior, costurada a partir dos fios do passado, das feridas, dos traumas, dos « e se… » que nunca acabam.
Não é o real, mas uma versão manipulada do que poderia ser o real, se tudo desse errado.
Mas em 95 % dos casos, o que a gente temia… nunca acontece.
Na vida real, aquilo que a gente imaginou e temeu não acontece, nunca.
Ou pelo menos nunca do jeito que a gente pensava.
E mesmo assim sentimos no corpo inteiro: garganta apertada, estômago travado, pernas bambas, coração disparado.
Tudo isso pra quê? Pra uma ilusão.
Um pensamento.
Uma frase mal interpretada.
Uma sensação mal digerida.
Esse mental que brinca com a gente…
O medo, quando a gente observa de verdade, começa a se dissipar.
Porque aquilo que a gente encara de frente, com lucidez… já não nos controla.
O que a gente nomeia, o que a gente acolhe, já perde parte do poder.
E se a gente fosse mais longe?
E se cada medo estivesse ali só pra nos mostrar… o caminho?
Porque o que nos dá medo é justamente onde devemos ir.
É um sinal.
Esse medo dentro de mim mostra minha estrada.
O caminho certo.
Aquilo que a gente teme é muitas vezes o que liberta.
É um paradoxo: onde você treme, é muitas vezes onde deve ir.
Atravessar um medo é crescer.
É queimar uma versão antiga de si mesmo.
É dizer ao universo: « Estou pronto pra algo maior. »
Como dizia tão bem Nelson Mandela:
« Aprendi que coragem não é ausência de medo, mas a capacidade de vencê-lo. »
Então não, o objetivo não é se tornar invencível.
O objetivo é se tornar sincero.
Ousar tremer… e ainda assim avançar.
Dar o primeiro passo.

Um de cada vez, fechávamos os olhos e fazíamos a pergunta:
« Qual é seu maior medo, aquele que poderia mesmo acontecer? »
Depois que vinha a resposta, a gente cavava mais fundo:
« E se isso acontecesse amanhã, o que você sentiria na hora? »
Depois: « E depois de sentir isso, como você se sentiria? »
A ideia era enfrentar esse medo e continuar questionando o “depois”, até chegar na fonte real da ferida.

Porque quando a gente para de ter medo dele, descobre que tá cheio de sentido.
Ele vira uma bússola interna.
Onde eu tenho medo, sei que posso evoluir, mudar, me transformar, me expandir.
Cada medo é um convite pra uma versão maior de mim.
Quando era mais nova, eu tinha pavor da ideia de ficar sozinha.
Era insuportável.
Uma amiga até me lembrou recentemente de quantas vezes eu aparecia na casa dela de madrugada, às três da manhã, só pra não ficar sozinha no meu apê.
E aí um dia decidi encarar esse medo de frente.
Comecei devagar, com programas simples sozinha: jantar, ir ao cinema, caminhar sozinha.
Depois ousei a próxima etapa: viajar sozinha, conhecer um país por conta própria.
Esse caminho me revelou uma parte de mim que eu nem sabia que existia.
Descobri um desejo inconsciente de me superar, de ir além dos meus limites, de conhecer uma versão minha que ainda não existia.
E hoje eu agradeço a esse medo.
Agradeço por ter me guiado até essa liberdade.
Porque agora eu adoro minha própria companhia.
Amo meus momentos de solidão, não mais como fuga ou vazio, mas como um espaço de alegria, plenitude e criatividade.
O medo, quando a gente ousa atravessar, vira veículo de transformação. Ele não prende mais.
Ele abre.
Ele mostra quem a gente foi… e principalmente, quem a gente tá chamado a ser.
Testemunhos de almas feridas
Quantas mulheres, quantos homens, vivem paralisados em existências sem brilho, presos por medos antigos?
Essa mãe, dependente de remédios, fugindo das suas sombras na química.
Essa prima, congelada numa vida repetitiva, até que o câncer veio e quebrou tudo.
Essa esposa, amada profundamente, mas levada cedo demais, confessando no leito do hospital: « Com você, eu sempre me senti segura. »
Histórias como essas existem por todo lado.
Elas nos lembram que o medo não nomeado mata.
Que o silêncio pode ser mortal.
E que só a verdade, mesmo dolorosa, abre o caminho da cura.

Talvez fosse meu papel de alma, ou só a repetição inconsciente de um padrão antigo demais.
Teve minha mãe, primeiro.
Uma mulher quebrada, presa numa espiral de dores invisíveis.
Ela nunca soube como nutrir as necessidades dela de criança, nem as minhas, aliás.
Tinha medo de viver, medo de sentir, medo de se escutar.
Então colocou tudo nas mãos da medicina.
Um comprimido pra dormir.
Outro pra digerir.
Um terceiro pra esquecer.
Um quarto pra evacuar.
E o último pra não sofrer mais nada.
Pobre mamãe.
A vida toda ela tentou fugir… quando na verdade era só dela mesma que fugia.
Eu quis acalmar ela tantas vezes.
Mas ela não conseguia ouvir.
Os ansiolíticos gritavam mais alto que minhas palavras.
Depois veio minha prima.
Ela também, quebrada pelos homens, rejeitada pela própria mãe, presa numa vida minúscula, congelada até virar pedra.
Mesmo trabalho, mesmo apê, mesmas dores.
Ela tinha medo de a vida machucar de novo, então parou a vida antes que começasse de novo.
E de tanto bloquear todo movimento, toda mudança, o corpo falou por ela.
Câncer, aos 50 anos.
Como uma implosão lenta, silenciosa.
Abracei ela muitas vezes.
Mas nada passava.
Tudo estava trancado.
E depois veio minha esposa.
Cheia de amor, mas devastada pelas feridas de infância, pelos medos de abandono, pela necessidade de controle.
Ela também, morta cedo demais.
Um câncer fulminante.
Acompanhei ela até o fim.
Todos os dias, todas as noites, no silêncio dos hospitais e na violência dos tratamentos.
Nunca vou esquecer aquele momento.
Ela estava magra, careca, quase transparente.
Olhou pra mim e murmurou:
« Com você, eu sempre me senti segura. »
Oito palavras.
Mas oito palavras que me acertaram em cheio no coração.
Oito palavras pelas quais, talvez, todo esse caminho tenha tido um sentido.
Os medos.
Conclusão : voltar a ser inteiro
O despertar não é fugir das nossas sombras com mantras e incensos.
É mais estender a mão pra elas e dizer:
« Ok, minha velha raiva, senta aí, vamos conversar. »
A gente acha que tem que virar luminoso.
Mas não.
A gente tem que virar completo.
Não é a mesma coisa.
Porque luz sem sombra é paraíso falso.
Uma fachada branca… onde tudo que transborda é pintado de bege.
Voltar a ser inteiro é aceitar a bagunça.
É fazer as pazes com o caos interno, com os velhos arquivos, com os impulsos estranhos, com as feridas nunca totalmente cicatrizadas.
É dizer: « Sim, tenho escuridão em mim… e daí? Sou humano. E estou no caminho. »
E aí chega aquele momento mágico.
O momento em que a gente começa a rir de si mesmo.
A amar também as próprias falhas.
A sentir que luz não é brilhar como neon.
É vibrar de verdade, com tudo que a gente é.
E aí…
Não é só um despertar.
É um retorno pra casa.
Para fechar o capítulo 4, deixe o suflê interior descansar.
Você acabou de atravessar uma zona sensível, densa, às vezes desconfortável.
Este capítulo não é pra ser lido como romance, mas pra ser vivido, digerido, sentido.
Então não tenha pressa de já engatar no próximo.
Deixe o texto infiltrar em você.
Releia algumas partes se elas te chamarem.
Se dê silêncio, espaço, momentos sozinho.
Respire, observe como reagem seu corpo, sua mente, seu coração.
Talvez algumas verdades incomodem, isso é bom sinal.
Quer dizer que elas mexem em algo que precisa ser visto.
Analise isso.
O trabalho não é linear.
Às vezes é preciso parar dias, até semanas.
E de repente, uma frase já lida vira uma evidência.
É isso que é a verdadeira leitura: uma conversa entre a alma e a página.

Não tenha medo.
É normal.
As portas do invisível começaram a se abrir, e as membranas entre as dimensões estão afinando…
Você pode sentir necessidade de trocar de trabalho, de terminar sua relação amorosa atual, de cortar certos laços com algumas pessoas…
Tudo isso é normal.
Não tenha receio, deixe-se levar por essas novas correntes, nesse novo fluxo.
Você está em um novo caminho…